Horizonte cinza
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Fogo na mata! Fogo! Grita alguém da rodovia. Não tenho tempo de abrir a porta da varanda, para mirar o acontecido; chove fuligem que aos poucos cobre todas as superfícies. Nuvem pulverulenta ataca meus olhos e minha garganta. Coloco a máscara para proteger meus pulmões. Colocaram fogo na mata. E daí? Interroga o homem predador. Falta água; conta de luz sobe feito raio. É só um aumento, afirma o deseconomista em ministro. Não vai chover tão cedo! Três meses sem chuva? A mata não aguenta; rios e lagos secam. Os animais vão morrer de sede e fome. Ferve no planalto, quiçá num mundo complementar ao dos infernos. Quem disse que a inflação está controlada? Que calores começam a enveredar pelas ruas! Um carro pega fogo. Filmam daqui, postam na rede social ao vivo. Alguém ri do evento. Quem riu, riu ao frisar que é autor de notícias quentes para postagens. Descem, feito bala, dois carros de bombeiros. O noticiador de desgraças entra em ação, fingindo-se lamentoso ao relatar o fato. Que forma de encenar, tragicamente e lamentosamente, acidentes terríveis. Antes da finalização das linhas anteriores deste texto, outro carro de bombeiros passa pela rodovia feito trem bala. A semana nem começou e está ardendo em chamas… Nuvens de fumaça perpassam o céu. O sol, ah, o sol, nem consegue amanhecer radiante! Pássaros voam assustados, ocupando os fios dos postes, telhados e quintais. Não estão promovendo tertúlias nem cantorias. Fogo castiga as matas, sobe ladeiras! Mata de enxofres inflamados, trevosas nuvens de fumaça!
“A floresta rugindo as comas curva…
As asas foscas o gavião recurva,
Espantado a gritar.
O estampido estupendo das queimadas,
Se enrola de quebradas em quebradas,
Galopando no ar”.
(Castro Alves).
A queimada lamentada por Castro Alves, se faz vivida feito forno que não fenece, mas arde feito as chamas do inferno. Varro o quintal e os cômodos da casa, sem sucesso (não para de cair fuligem!). Que cinzas pulverulentas incendeiam a cabeça dos que colocam fogo na mata? Não sei, deveras não sei o que se passa nas mentes insanas, monstruosas. Indubitavelmente, fizeram um pacto com o demônio, para propalar um mundo (paralelo?), de que o homem é capaz de viver além das leis da física, na terra plana, onde duas linhas paralelas se cruzam; e no fogo potente e avassalador dos infernos. Que mundo é esse que queima feito brasa; de sol que nasce no pouso da meia-noite, a lua e as estrelas foram destruídas, a mata foi consumida pelos estampidos insanos e virulentos das queimadas? Inferno! Que inferno, meu Deus! “A imagem mais viva do inferno. Eis o fogo em todos os seus vícios: eis a ópera, o ódio, o energúmeno, a voz rouca da fera em cio”. (João Cabral de Melo Neto). Ah, a mata! Matam a mata, sem pontaria, matando nosso ar, nossos rios, lagos e vida. Ah, a mata! Voamos para o precipício, caindo sem ação em todos os momentos, num inferno da autodestruição. Fogo na mata! Fogo na mata; treva que se eleva feito furacão… Ah, a mata! De tanto ver o homem mexer na mata, maltratar a planta, matar a mata… morre, aos poucos, o meu coração! Miro o horizonte cinza, mas a chuva não vem…


Reencontrando meu passado

Realidade esperançosa
