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Hoje é quarta-feira, 15 de maio de 2024

Depoimentos da CPI reforçam tese de revenda de obras e terceirização ilegal em Mariana

Funcionária da Prefeitura de Mariana diz que sabia das subcontratações de obras. Coordenador de contratos diz que prestou serviços para o poder público e recebeu pela GMP.

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Subcontratações ilegais podem ser indícios de sobrepreço e revenda irregular de obras em Mariana. Arte: Lui Pereira/Agência Primaz
Subcontratações ilegais podem ser indícios de sobrepreço e revenda irregular de obras em Mariana. Arte: Lui Pereira/Agência Primaz
Na semana passada, quatro novas testemunhas foram ouvidas pela CPI das Obras em Mariana. Na quarta-feira (9), dois empreiteiros deram seus depoimentos, Geraldo Moura Rezende, conhecido como Ladim, proprietário da HGV Vidros Construções e Acabamentos e Aloisio Arlindo Bento, conhecido como Caburé, dono da AD Reparos e Acabamentos. Os empreiteiros afirmaram ter sido responsáveis totalmente por obras vencidas em licitação pelas construtoras GMP e Israel. Na quinta-feira, dois funcionários da Prefeitura de Mariana foram ouvidos. Pela manhã, Amarildo Pereira confirmou que prestou serviços para a prefeitura enquanto era contratado pela GMP Construtora. À tarde, Camila Pessoa confirmou que servidores da Secretaria de Obras e Gestão Urbana sabiam das subcontratações irregulares de obras pelas construtoras Israel e GMP. Diante dos depoimentos, nossa reportagem entrevistou também o professor de Direito da UFOP, André Lana, que explicou como as subcontratações ferem a Lei de Licitações (Lei 8666/93), além de apontar quem deve ser responsabilizado por eventuais fraudes.

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Um grande indício de irregularidade relatado nos depoimentos de quarta-feira foi a confirmação das testemunhas sobre o pagamento de 75% do valor das obras para as empresas subempreitadas. O fato de as empresas vencedoras do edital (GMP e Israel) ficarem com 25% do valor total das obras, mostra que o valor do edital pode estar inflado, uma vez que mesmo sem o valor total das obras, as subempreitadas conseguiram entregar suas obras com algum lucro.

Geraldo Rezende afirmou em depoimento que trabalhou de forma terceirizada para as construtoras Israel e GMP na construção de unidades de saúde, enquanto Aloisio Bento realizou obras no distrito de Pombal. As terceirizações entretanto não teriam sido realizadas de forma regular, as obras ofereciam baixa margem de lucro para os empreiteiros e não havia emissão de notas fiscais dos serviços prestados.

Os empreiteiros afirmaram em seus depoimentos que havia fiscalização sobre as obras por parte das construtoras e do município, inclusive com a visita eventual de prefeito e secretários, entretanto as reformas seguiram sem qualquer tipo de embargo do poder público apesar do fato das construtoras vencedoras dos editais de licitação participarem das obras apenas como fiscalizadores do serviço das empreiteiras subcontratadas, o que fere a Lei Federal 8666/93.

Geraldo, em depoimento, afirma não ter recebido cerca de 30 mil reais da GMP Construções, além disso, ele não teria tido acesso às planilhas da obra e pretende entrar na justiça para tentar reaver o prejuízo. Apenas a ARP 148/2020 celebrada entre a GMP Construções e a Prefeitura de Mariana supera o valor de 51 milhões.

Geraldo Rezende e Aloísio Bento falaram à CPI das obras na quarta-feira (9)
Geraldo Rezende e Aloísio Bento falaram à CPI das obras na quarta-feira (9). Créditos: Transmissão Facebook

Depoimentos de quinta-feira (10)

Na quinta-feira pela manhã, a CPI ouviu Amarildo Teixeira, ex-diretor do SAAE e atual coordenador de contratos da Prefeitura de Mariana. Amarildo disse que gerencia todos os contratos que têm como objeto “a parte de elétrica”. O depoente disse que trabalha em contato com todas as empresas terceirizadas da área de elétrica que prestam serviços para o município. Entre elas, estão a Ultra Energia, responsável pela rede elétrica do Conjunto Habitacional Santa Clara, pelo valor aproximado de R$ 450 mil, e pela iluminação do campo de futebol do bairro Cabanas, pelo valor de R$215 mil; além da Ecológica, que presta serviços elétricos em 91 obras de Mariana e tem contrato, já com dois aditivos, no valor de R$2.011.000,00.  Amarildo citou também outras empresas, como a Remo, a Encel e a PWS, esta última responsável pela instalação de torres de telefonia móvel nos distritos, com contrato no valor de R$3 milhões. 

A pedido da CPI, Amarildo descreveu sua trajetória profissional desde que assumiu a direção do SAAE Mariana. Depois de 2 anos e 2 meses como diretor da autarquia, Amarildo disse que pediu o desligamento do SAAE em 04/02/20, por não concordar com as formas de gestão dos serviços públicos em Mariana. Entre julho e setembro de 2020, trabalhou como engenheiro eletricista na Via Voz, empresa de projetos que também presta serviços para a Prefeitura de Mariana. Sua função principal, segundo Amarildo, era trabalhar no “esgotamento total da cidade”.

Mais à frente no depoimento, o depoente disse que “em meados de agosto [de 2020]” foi contratado pela GMP Construções como engenheiro eletricista. O contrato de prestação de serviço teria durado até 15 de dezembro, sendo depois fichado em regime CLT. O depoente confirmou que prestou serviços para a Secretaria de Obras e Gestão Urbana de Mariana, enquanto recebia pela GMP e revelou que suas funções principais eram auxiliar no desenvolvimento de processos licitatórios, na revisão de planilhas orçamentárias, em sistema de assessoria técnica à Prefeitura de Mariana.

De acordo com Amarildo, suas funções na GMP eram semelhantes ao que faz desde 22/03/21, data em que foi contratado novamente pela Prefeitura de Mariana, agora como coordenador de contratos. O depoente disse que trabalhou, inclusive, nos mesmos contratos que hoje é o gestor. A maior diferença é que, enquanto estava na GMP, não tinha a responsabilidade pelas medições necessárias para os pagamentos, como faz atualmente. O depoente revelou, inclusive, que seu local de trabalho, enquanto funcionário da GMP, eram as salas da secretaria de obras, instaladas no Centro de Convenções Alphonsus Guimarães.

Amarildo disse que nunca foi contratado por meio do consórcio CIMVALPI, mas confirmou que alguns contratos geridos por ele, como os firmados com as empresas Remo, Ultra e Luz e Força, foram efetuados via Cimvalpi. De acordo com o depoente, o município faz o contrato com o consórcio e este contrata as empresas que prestarão os serviços. O coordenador de contratos confirmou, no entanto, que trabalhou com servidores contratados via processo seletivo do consórcio. “Quando eu cheguei no ano passado, tinha essa turma de engenharia que era [contratada via] CIMVALPI. O pessoal trabalhou acho que 2019 e 2020. Foi um ano e meio”. Os contratos de trabalho teriam sido feitos por meio de aporte financeiro da Fundação Renova. 

Por fim, Amarildo disse se lembrar de outras duas funcionárias que também prestavam serviços à prefeitura, enquanto contratadas da GMP. “Jerusa”, segundo Amarildo, era “engenheira da área ambiental” e também prestava serviços via GMP. O mesmo acontecia com “Jéssica”, que não era engenheira, mas estava lotada na secretaria de obras. Amarildo acredita que Jéssica era auxiliar administrativa, pois trabalhava no controle de contratos, prazos e aditivos.

Na quinta-feira (10), a CPI ouviu Amarildo Teixeira e Camila Pessoa. Créditos: Transmissão Facebook
Na quinta-feira (10), a CPI ouviu Amarildo Teixeira e Camila Pessoa. Créditos: Transmissão Facebook

O nome “Jéssica” também aparece no depoimento de Camila Lélis Pessoa, realizado na tarde de quinta-feira (10). Camila disse que é assessora técnica, contratada “há duas semanas” pela Secretaria Municipal de Educação, para auxiliar na reforma das escolas municipais. Antes disso, a depoente disse que trabalhava na Prefeitura de Mariana desde o rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015. Camila diz que começou como encarregada de edificações, responsável por acompanhar medições de obras e planejamento. Posteriormente foi chefe de departamento de controle e orçamento, até ser nomeada Coordenadora de contratos, onde trabalhava na gestão de convênios e captação de recursos. Em novembro de 2020 foi assessora técnica até ser desligada em 31/12/2020, com o final do mandato de Duarte Júnior.

Na secretaria de obras, a depoente disse que ajudou a coordenar os departamentos relacionados a orçamento, além de trabalhar na preparação de toda a documentação para os processos licitatórios. Camila disse que sua equipe era responsável pelo planejamento e controle das medições e realizar os “trâmites” para o pagamento após as medições serem emitidas pelos fiscais. Camila disse que, em todo o tempo que trabalhou para o poder público, nunca viu nada que pudesse ser caracterizado como irregularidade em obras de Mariana. Mais à frente em sua oitiva, a depoente disse que trabalhou em “quase todo o ano de 2020 e parte de 2019” como subsecretária de gestão, na Secretaria de Obras e Gestão Urbana de Mariana.

A depoente foi questionada por Marcelo Macedo, vice-presidente da CPI, quando não soube dizer quantas obras foram executadas pela Construtora Israel em Mariana. “Como a senhora não sabe me dizer se foi a senhora quem organizou toda a papelada do processo licitatório?” perguntou Marcelo Macedo. “Essa parte não era comigo”. Mais à frente, ela disse que era responsável pela equipe de “medições e planejamento”. “O Sebastião era responsável pela equipe de fiscalização e o Tales era responsável pela equipe de projetos”, revelou. A depoente citou ainda o nome “Weber” como responsável pela análise de projetos. De acordo com Camila, eram membros da sua equipe “Samuel, a Jéssica e a Michele”.

Camila Pessoa disse que ficou fora da administração municipal de janeiro a março de 2021, sendo contratada pela GMP por “35 dias a 45 dias”, via CLT. Assim como Amarildo, a depoente voltou a ser contratada pela Prefeitura de Mariana em março de 2021, dessa vez como assessora técnica. Na GMP, a testemunha disse que trabalhou em contratos de Ribeirão das Neves e Vespasiano, entre fevereiro e março de 2021. “Não deu certo porque eu tinha que ficar pegando estrada”.

Camila disse que prestava serviços no escritório da GMP, na parte de orçamento e reequilíbrio de contratos. A depoente não soube dizer, no entanto, o endereço do escritório, nem o telefone de contato. Ela disse que o escritório fica “na Rua da Padaria Andrade, lá na frente”. Como “manteve contato com o pessoal de Mariana”, foi mais vantajoso voltar para a prefeitura. Perguntada sobre quem é o dono da GMP, Camila respondeu que “acha que é o Dorimar”. A depoente negou que foi desligada da prefeitura para ser terceirizada pela GMP. 

Camila revelou ainda que sua equipe tinha conhecimento da subcontratação de obras pelas construtoras e defendeu que a prática era permitida pois estava “expressa” nos editais dos processos licitatórios vencidos pela Construtora Israel e pela GMP Construções. A depoente argumentou que a lei veda “subempreitar 100% do contrato”. Sobre supostos prejuízos dados pelas construtoras a empresários locais, a depoente argumentou que as empresas contratadas pela prefeitura não ficaram sem receber. “Até a época que eu acompanhei, não tinham medições pendentes.” A testemunha argumentou que o município não tinha contato direto com os empresários, apenas com as empresas contratadas, pois elas eram as responsáveis “por entregar toda a documentação.” 

A assessora técnica disse que nunca trabalhou para a Prefeitura de Mariana contratada pelo CIMVALPI. No entanto, a depoente confirmou que trabalhou com engenheiros do consórcio na secretaria de obras e citou os nomes “Carlos” e “Alen” como responsáveis pelas medições das obras. Camila explicou que os funcionários do consórcio foram contratados depois da assinatura de um termo de compromisso entre a Prefeitura e a Fundação Renova, no qual a Fundação forneceria mão de obra suplementar à secretaria de obras. O processo seletivo teria sido realizado pelo CIMVALPI.

Diante do depoimento de Camila Pessoa, o vice-presidente da CPI, Marcelo Macedo, solicitou que fosse formalizado, em nome da comissão, um pedido da relação de todas as obras, planilhas e medições da construtora Israel para o município de Mariana, com os respectivos fiscais da secretaria de obras.

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Especialista explica irregularidades na Lei de Licitações

André Lana, advogado que atua com Direito Administrativo, explicou como funciona a Lei 8666/93, conhecida como lei de licitações. A lei proíbe a subcontratação de obras completas e a “taxa” de 25% supostamente cobrada pelas construtoras é, de acordo com o professor André, um forte indício de sobrepreço. “A lei de licitações deixa claro que a empresa que ganha [a licitação] é quem executa. Ela pode contratar serviços acessórios. Por exemplo, ela precisa fazer um guarda-corpo, aí vai numa serralheria e subcontrata. Ela pode ir montando esse quebra-cabeça, mas ela não pode repassar a integralidade da obra”.

A taxa de 25% revelada por empresários subcontratados pela GMP e pela Construtora Israel, além de ilegal, é um forte indício de sobrepreço nas licitações. “Se a segunda empreiteira consegue fazer a obra [por 75% do valor orçado], por que o município está pagando 100%?”, questiona o professor de Direito, que também explica como funcionam os processos licitatórios regulares. “Quando a licitação é bem feita e tem uma concorrência sadia, quem ganha a licitação costuma ter dificuldade de fazer a obra no preço que ela ganhou, pela variação de mercado. Às vezes ela precisa até de um aditivo para conseguir executar. É raríssimo acontecer isso de ela ter margem para subempreitar para outro”

Diante das informações coletadas pela CPI, André acredita que existe um grave problema com as planilhas orçamentárias e medições das obras. “A licitação pressupõe que a prefeitura fez uma definição exata da obra a ser executada, com planilha, com levantamento de preço de mercado, uma coisa bem balizada. É nesse ponto aí que deve estar tendo algum problema. Essa planilha que a prefeitura apresentou deve estar muito acima”.

O especialista em Direito Administrativo também explica as funções de Gestor do Contrato e Fiscal do Contrato, e reforça que essas duas funções são essenciais em qualquer contrato com serviço público e não devem ser ocupadas pela mesma pessoa. “O gestor e o fiscal do contrato são duas figuras obrigatórias. O gestor é quem vai cuidar da parte de papéis, da regularidade burocrática da execução da obra. Vai atestar as medições, encaminhar as notas. O fiscal da obra é quem está na obra, que vai medir a espessura do reboco, que vai conferir a qualidade do material. É ele quem vai verificar essa execução in loco. Para um pagamento ser realizado, tem que ter o ateste tanto do fiscal quanto do gestor”.

“Se o pagamento foi feito em sobrepreço, quem autorizou esse pagamento foram o fiscal e o gestor. Se tem alguma coisa errada vai ter uma omissão, uma negligência dessas figuras, ou vai ter uma ação dolosa, uma má-fé desses dois. Eles devem ser responsabilizados.” (professor Dr. André Lana)

O professor André Lana lembra ainda que a nova lei de licitações, sancionada em 1 de abril de 2021, prevê penalizações mais severas para servidores, agentes políticos e empresas condenados por fraudes em licitações. Enquanto servidores públicos, mesmo efetivos, podem sofrer processos administrativos e perderem o emprego, empresários podem ser impedidos de prestar serviços a órgãos públicos e políticos podem ter os direitos políticos suspensos. Os três agentes podem, ainda, responder criminalmente pelas fraudes constatadas e serem obrigados a indenizar os cofres públicos pelos danos causados.

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