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Hoje é quarta-feira, 15 de maio de 2024

A ignorância no controle

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

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Neste mês registramos mais um aniversário da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, cujo objetivo era promover a abolição da escravatura no Brasil. Mas como todos já sabem, a verdadeira libertação manteve-se distante da realidade.

São inúmeros os estudos históricos que apontam com precisão as razões para o Brasil ter sido um dos últimos do mundo a abolir o trabalho escravo. Também são muitos os textos que mostram que a nossa abolição ocorreu mais por pressões comerciais internacionais do que por pressões políticas internas, o que manteve em escravidão, de forma expressa ou tácita, milhares de brasileiros.

A consequência disso é um país socialmente mal resolvido, culturalmente atrasado e extremamente sectário até os dias atuais. Passados 133 anos desde a promulgação da Lei Áurea, há no país uma parcela significativa da sociedade que ainda a vê como mera formalidade, longe das necessidades domésticas daqueles que controlam a política e os meios de produção.

Para entender melhor esse contexto, é preciso relembrar ainda a Lei Saraiva, de 09 de janeiro de 1881, que entre outras medidas proibiu o voto dos analfabetos nas eleições para os cargos públicos elegíveis do Império. Possivelmente já antevendo a abolição, cuidou-se à época de manter longe da cidadania aqueles que não sabiam ler. Logo, o analfabetismo tornou-se uma ferramenta direta de controle político da população. Foi a forma ardilosamente pensada para preservar o poder da elite escravocrata, que enviava seus filhos para estudarem na Europa.

Dessa forma os negros foram lançados à própria sorte, sem qualquer política pública que lhes garantisse participação na sociedade. Os anos foram passando e, enquanto a população aumentava de forma constante, não havia por parte dos governos investimentos em educação, já que não era interessante aumentar o rol de eleitores, muito menos permitir a divulgação de ideais que confrontassem o sistema oligárquico.  Até o início da década de 1980 ainda havia confusão entre as palavras eleitor e leitor, já que esta última era condição para a existência da primeira.

Somente 100 anos após a dita abolição da escravatura surgiu uma lei verdadeiramente capaz de romper os paradigmas e iniciar a reparação das injustiças: a Constituição da República de 1988, até hoje vigente. Certamente foi uma conquista importante, fruto de muitas lutas e pressões políticas de brasileiros renomados, como Paulo Freire, que chamou a atenção do mundo para a característica verdadeiramente libertadora da educação! A nova Constituição trouxe a universalização da educação, do voto e da saúde, além de muitos outros avanços que hoje parecem óbvios, mas que eram negados à população brasileira até então.

A necessidade do transcurso de um século entre a Lei Áurea e a Constituição de 1988 demonstra a letargia do povo brasileiro em exigir seus direitos, bem como a força das elites que querem se manter no poder. Isso serve de profundo alerta, pois expõe claramente que todos os avanços somente se consolidarão e/ou se ampliarão mediante o enfretamento da política da opressão pela ignorância. Não há solução distante da educação!

Por tudo isso, atento ao retrovisor que a história nos oferece, é impossível não sofrer diante do descaso que os governantes atuais vêm tratando a educação. Com a pandemia de Covid-19 há debates acalorados e propostas para saúde, comércio, arrecadação, turismo e afins, mas nada para a educação, que sobrevive graças apenas ao esforço de professores e educadores mal remunerados, sem infraestrutura e rechaçados por militantes partidários. Apesar dos esforços individuais, há uma legião de analfabetos totais e funcionais sendo gerada no Brasil desde o surgimento do novo Coronavírus, cujos efeitos serão devastadores no futuro.

Assim, o momento é de extrema atenção, pois o pequeno avanço conquistado nos últimos 33 anos desde a promulgação da Constituição de 1988 poderá ser facilmente perdido, haja vista que cada vez mais a ignorância volta a controlar a sociedade.

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André Lana é advogado militante nas áreas de direito público e gestão social.
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