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Hoje é sábado, 8 de fevereiro de 2025

Aparentemente, a Prefeitura de Mariana quer te ver endividado

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

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Reprodução de cena da novela "A Viagem"

Bons artistas copiam, grandes artistas roubam”! Essa é uma das frases mais conhecidas de Steve Jobs, sujeito praticamente santificado por muitos amantes da inovação e da tecnologia. Só que nem todos que repetem esse mantra, percebem as camadas de ironia que existem nele.

A primeira camada de ironia é que muita gente atribui a frase ao fundador da Apple, quando, na verdade, ele mesmo dava créditos ao autor: Pablo Picasso. A segunda camada vem do fato de que, ao que tudo indica, Picasso também havia se inspirado em outro cara, o pianista Igor Stravinski, quando escreveu este pensamento.

É irônico pensar que uma frase que fala sobre cópia e roubo tenha apontado o horizonte para pessoas que sonham em inovar, algo que claramente tem a ver com criar algo novo.

Coincidência ou não, hoje, grandes empresas de tecnologia do Vale do Silício apresentam produtos que foram claramente copiados ou descaradamente roubados de seus concorrentes. É o caso dos stories do Instagram, função clonada do Snapchat; a linha do tempo do Facebook que foi chupada da timeline do Twitter e até mesmo o caso latino-americano do Mercado Livre, que fez a mesma coisa que o eBay fazia, e hoje tem que enfrentar a onipresente Amazon, que chegou na região sul do continente copiando seu modelo de marketplace.

Na política também, como diria Chacrinha, “nada se cria, tudo se copia”. Principalmente na política marianense. O que é bem triste na verdade, já que por muitos anos a cidade foi conhecida como sendo a Primaz de Minas.

As novas ideias da prefeitura para reaquecer a economia

Na última sexta-feira (14), foi apresentado na Câmara de Mariana um novo pacote de programas do poder executivo para reaquecer a economia da cidade.

Dentre eles estão o bem-vindo PL 068/2021, o Programa de Agricultura Familiar Social, onde o executivo propõe desde o incentivo à produção de alimentos e pequenos animais nos quintais da cidade, até a criação de hortas comunitárias para aqueles que não contam com espaço externo em suas casas. Com este programa, os marianenses terão mais chances de garantir a sua segurança alimentar através de apoios financeiros e tecnológicos do estado que podem ampliar e incentivar a produção agroecológica em espaços reduzidos (criando, até mesmo, a possibilidade da venda do excedente produzido).

Em contraponto a esta boa ideia, vem os Projetos de Lei 069/2021, que contempla o Programa Municipal de Crédito Emergencial, e 070/2021, com o Programa Municipal de Crédito Emergencial do Produtor Rural. Programas extremamente problemáticos, parecidíssimos com os de outros municípios e, aparentemente, apresentados à câmara sem levar em consideração o timing do estado de calamidade pública e a realidade de Mariana.

Explico melhor: logo nos primeiros meses de 2020, com o aumento dos casos de infecção pelo novo coronavírus, diversos municípios correram para criar seus próprios programas de crédito emergencial, como esses, colocados para votação só agora, em maio de 2021, mais de um ano após o início da pandemia, pela prefeitura de Mariana.

Pensar em um programa de microcrédito municipal um ano depois do início da pandemia. Nem Rubens Barrichello chegava tão tarde à uma conclusão como a Prefeitura de Mariana.

Dentre os municípios que pensaram neste modelo de crédito, podemos dar dois exemplos que também começam com a letra “M”: Macaé e Maricá, ambos do Estado do Rio de Janeiro.

Em Macaé, foi criada a lei nº 4.684/2020, onde o governo municipal concede “empréstimos sem a cobrança de juros e/ou correções monetárias, com condições de pagamento facilitadas e prazos de até 60 meses”. Ainda de acordo com o texto, “cada microempresa ou pequeno agricultor poderá requerer um único empréstimo de até R$ 20 mil”, valor bem semelhante ao proposto pelo PL 069/2021 marianense.

Já em Maricá, os habitantes contam, desde maio do ano passado, com o Fomenta Maricá, um programa que tem por objetivo “ofertar créditos produtivos para empresas e microempreendedores individuais locais”.

O que acontece é que mesmo com as duas prefeituras oferecendo um tipo de crédito bem parecido, a verdade é que o resultado obtido por cada uma das cidades foi bem diferente… e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Mariana talvez devesse saber qual é essa diferença.

Endividamento do empreendedor e incentivo à contração de dívidas

Enquanto Macaé pouco conseguiu reverter na economia local com seu programa de crédito, Maricá é tida como um dos maiores exemplos brasileiros de enfrentamento à pandemia pelos empreendedores. A razão? Maricá, além de ofertar o crédito, também criou o Programa de Amparo ao Trabalhador (PAT), um sistema de pagamento de R$ 1.045 a autônomos, profissionais liberais, microempreendedores individuais e informais.

Com isso, o município manteve a economia aquecida e liberou o crédito apenas para aquelas empresas que realmente precisavam se digitalizar, expandir ou se segurar por alguns meses, antes de retornar ao patamar pré-covid. Algo bem diferente do que aconteceu com diversos outros lugares.

De acordo com uma entrevista dada por Alessandro Chaves, gerente do Sebrae-Minas, para o jornal O tempo, diversas empresas mineiras que pegaram empréstimos com programas de microcrédito no ano passado, agora sofrem para pagar as primeiras parcelas. “A economia não voltou na velocidade que todo mundo esperava e muita gente vai ter problema no fluxo de caixa, com dificuldade para honrar as dívidas”, diz Alessandro, que ainda completa: “Se a economia não gira, o crédito não pode ser honrado”.

Mas, se hoje já sabemos que esses programas de microcrédito não ajudaram a economia da maioria dos municípios ao longo de 2020, por que a secretaria de desenvolvimento econômico de Mariana insiste na ideia agora, um ano depois?

Nenhuma conversa, pouca pesquisa e muito CTRL+C, CTRL+V

Não dá pra cravar por aqui o motivo exato para que dois projetos com potencial de aumentar a contração de dívidas dos empreendedores terem sido enviados pelo poder executivo à câmara, mas, podemos analisar alguns fatos que talvez indiquem um caminho.

Primeiro vem o fato do poder executivo e sua secretaria de desenvolvimento econômico não terem apresentado antes o pacote de planos para a retomada econômica à ACIAM, a Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Mariana. O feedback dos comerciantes que estão de portas fechadas poderia ajudar o poder público, que não compartilha das mesmas experiências dos empreendedores.

Em segundo lugar podemos apontar um baixo volume de pesquisa por parte do poder público, já que, agora, em 2021, sobram documentos e relatórios que apontam a ineficácia de projetos como estes.

Por último, mas não menos relevante, vem a cultura do copiar e colar do governo municipal.

Quem já trabalhou com ou para o governo, sabe que referência é tudo, seja na hora de contratar um serviço, executar um projeto ou passar uma lei, e assim, para economizar tempo, cria-se uma cultura não de referência ou inspiração, mas de CTRL+C, CTRL+V em documentos aprovados em outras prefeituras sem que se pense muito a respeito.

Nesse caso, podemos dizer que de tanto ir pelo caminho da cópia e não do estudo, a Prefeitura Municipal de Mariana tem se transformado em uma espécie de Ratatoing ou Dollynho político.

Dollynho: um dos casos de cópia fajuta mais populares na internet brasileira.

O aumento do auxílio municipal emergencial seria a solução?

Mas, e se o poder executivo pensasse em um auxílio emergencial mais amplo, ao invés de focar suas energias em diversos programas ineficazes? Será que 600 de auxílio para a população carente, ao invés de 250 reais, como foi proposto na câmara nesta última sex-feira, resolvesse mais? Bem, para isso também temos referências.

Como já foi amplamente divulgado, o auxílio emergencial ofertado em 2020 pelo governo federal — contra a vontade do presidente e de sua equipe econômica — beneficiou 68 milhões de pessoas e impediu que o tombo do PIB (Produto Interno Bruto) fosse ainda maior.

Segundo um estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades, da FEA-USP, isso aconteceu por causa de um efeito chamado “multiplicador fiscal”. É assim: quando temos um multiplicador de, por exemplo, R$ 2, a cada R$ 1 gasto pelo governo, o PIB aumenta em R$ 2. Resumindo: investir em um auxílio mais amplo, como ocorreu em Maricá, ajudaria mais a nossa economia do que um tipo de programa de crédito.

Infelizmente, os vereadores Pedrinho Salete, Fernando Sampaio, Leitão, Adimar, José Sales, João Bosco e Sônia Azzi votaram contra a ideia do aumento do auxílio, apresentando argumentos como “a prefeitura já está ajudando com cestas básicas” e a quantidade de projetos de viés econômico enviados pelo executivo à câmara.

Por fim, vale dizer que, ao contrário do que foi dito na votação da câmara, aumentar o auxílio emergencial não traria um impacto negativo para as contas do governo municipal. Basta conferir, dentre várias pesquisas, o que a economista Laura Carvalho já comentou sobre o assunto: “a austeridade [ políticas econômicas que visam reduzir os déficits orçamentários do governo por meio de cortes de gastos] é um culto em decadência e a pesquisa que lhe dava suporte foi desacreditada. Há estudos que mostram que, além do efeito recessivo, a austeridade também provoca um aumento da dívida pública e uma piora da desigualdade social”.

Ao seguir por um caminho fácil de copiar e colar, seja de ideias ou argumentos, deixamos de pensar e de entender os motivos que fizeram com que algo funcionasse. Paramos de tentar incrementar o que já existe, ou, como gosto de dizer, de remixar o que deu certo, entregando algo completamente novo.

Quem nasceu Primaz não deveria afundar como cópia fajuta.

Por isso, ao invés de pensar como Steve Jobs e outros copiadores famosos, que tal aprendermos com o pensamento de Lavoisier, que dizia que “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Vamos transformar e não copiar.

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Kelson Douglas é Diretor criativo da I Love Pixel, fundador do Valin, o vale de inovação de Mariana e Ouro Preto, embaixador do Montreal International e líder local do Startup Weekend e da IxDA, a associação mundial de design de interação
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