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Hoje é quinta-feira, 16 de maio de 2024

Ouro Preto rejeita projeto Mãos Dadas de municipalização das escolas estaduais

Decisão foi tomada após diversas manifestações da comunidade quanto à proposta do governo estadual

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Escola Estadual Marília de Dirceu seria uma das instituições a terem o ensino básico municipalizado se a proposta fosse aceita pela Prefeitura de Ouro Preto - Foto Elias Figueiredo
A Prefeitura de Ouro Preto resolveu não aderir à proposta do governo estadual para municipalização do ensino básico. Anúncio foi feito pelo secretário municipal de Educação, Rogério Fernandes, durante audiência pública da Câmara de Vereadores, realizada na última segunda-feira (3), surpreendendo os participantes da reunião. A decisão do município é resultado da mobilização da população ouro-pretana, em especial, da comunidade escolar.

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Pelo projeto Mãos Dadas, inicialmente, a oferta do 1º ao 5º anos passaria a ser responsabilidade do Município. Na prática, isso significaria municipalizar as Escolas Estaduais Marília de Dirceu, Dom Velloso, Horácio Andrade (as três na sede), José Leandro (em Santa Rita), Nossa Senhora Auxiliadora (em Cachoeira do Campo) e Daura de Carvalho Neto (em Antônio Pereira), englobando o total de 1.426 estudantes dessas séries iniciais.

“A Secretaria Municipal de Educação está atenta ao clamor que vem da cidade de Ouro Preto e daqueles que não querem a municipalização. Por isso, o Poder Executivo está declinando do convite do Estado de aderir ao projeto Mãos Dadas. Não há condições, em plena pandemia, de discutirmos algo de tamanha gravidade e impacto na vida das pessoas. Há que se ter respeito a todos aqueles que estão nas suas casas, a todos aqueles que construíram uma história de pertencimento às escolas com as quais eles trabalham”, explica o secretário municipal de Educação, Rogério Fernandes. 

Crovymara Batalha, secretária de Planejamento e Gestão de Ouro Preto, completa que “essa municipalização proposta pelo governo Zema, sem dados, sem informações precisas, era impossível o município de Ouro Preto abraçar esse Mãos Dadas. Eu acho que o exemplo de Ouro Preto tem que ser levado para outros municípios da região, dentro da nossa Superintendência Regional de Ensino. É a coisa mais desastrosa que o governo Zema poderia propor, temos que lutar para que as outras cidades não caiam nessa furada”.

Escola Estadual Dom Velloso seria uma das instituições de ensino impactadas pelo Mãos Dadas - Foto Elias Figueiredo

Proposta do Estado

Em entrevista à Agência Primaz, o subsecretário estadual de Articulação Educacional, Igor Alvarenga, defende que o projeto tem como foco a absorção do município nos anos iniciais. Para ele, “o ganho principal seria uma especialização no atendimento ao estudante, pelo proximidade da instituição com o estudante”. Ele garante que, dentro do programa, também está previsto o investimento para melhorias na infraestrutura e que o Estado vai continuar com o apoio pedagógico às escolas.

Segundo Alvarenga, as Superintendências Regionais de Ensino (SREs) estão realizando reuniões diretamente com as prefeituras e as secretarias municipais de Educação e verificam se elas têm interesse em aderir ao programa. Essa adesão não é compulsória. “Cada município tem um plano especializado para o projeto. Um exemplo em que a escola é exclusiva de anos iniciais, a Prefeitura pode receber a escola completa; uma escola mista [com oferta dos Ensinos Fundamental e Médio] pode ser separada. O projeto está sendo tratado localmente, para ser viabilizado conforme o local. Não há um padrão”, afirma o subsecretário. Ele acrescenta que “o orçamento total é de R$584 milhões para o Estado de Minas Gerais como um todo. Porém, para cada região, são feitas negociações e análises específicas”. 

Felipe Michel Braga, da Assessoria da Superintendência Regional de Ouro Preto, aponta que o projeto Mãos Dadas é proposta de municipalização dos anos iniciais do Ensino Fundamental e não municipalização das escolas. Segundo ele, “a municipalização das escolas só poderia acontecer se a transferência fosse realizada de ‘porteira fechada’, de todos os bens e de todo o pessoal da escola estadual. Não é isso, porque as escolas estaduais que oferecem os anos iniciais também oferecem os anos finais do Ensino Fundamental e em alguns casos o Ensino Médio. Essas instituições continuam com oferta estadual para essas etapas de ensino e em todos os casos os servidores efetivos do estado continuam sendo servidores estaduais, não são transferidos para as prefeituras”.

A coordenadora-geral do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica – Seção Sindical IFMG (Sinasefe), Solange Rodrigues, critica a proposta, incluindo a dificuldade em se ter acesso ao documento que estabelece o programa e as informações não são esclarecedoras. “Esse não é um projeto fácil de ser encontrado, tamanha a falta de diálogo que estava presente por trás dele. O projeto não pensa no servidor, não pensa no aluno, não pensa na educação. Ele construiu esse projeto não como ‘mãos dadas’, mas como lave as mãos”, destaca.

Solange também questiona os valores apresentados pelo Estado, que abrangeria cerca de 400 municípios, além da referência ao recebimento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) como justificativa da municipalização. “O Fundeb é pago por estudante. Se esse aluno sai da rede estadual e vai para a municipal, é lógico que esse dinheiro deve vir para o município. Não é nenhuma vantagem advinda do projeto, é um direito nosso”, acrescenta.

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O presidente do Sindicato dos Servidores e Funcionários Públicos Municipais de Ouro Preto (Sindsfop), Leandro Andrade, destaca, também, as imposições relacionadas ao cenário pandêmico de covid-19: “nós estamos passando por uma pandemia de um vírus mortal, os professores e alunos estão tendo que se adaptar a uma nova realidade, na qual o acesso à internet, o uso de tecnologias, de aplicativos digitais se fazem onipresente. Nesse momento, o que deveria estar sendo discutido e sendo proposto pelo governo estadual seriam políticas de erradicar as desigualdades no acesso à internet para os usuários e trabalhadores da educação pública. Não deveria se estar discutindo municipalização agora, não é o momento para isso”, critica.

O vereador Matheus Pacheco, que também é professor, acredita que mesmo antes da pandemia o cenário da educação estadual já se encontrava defasado. Ele destaca, ainda, que o programa não representa um investimento de fato na educação e não considera a realidade do ensino remoto e do município. “Não dá para dar as mãos para alguém que ainda paga o salário do professor parcelado, para alguém que não discutiu até hoje reais investimentos para o teletrabalho. Além disso, a gente vê [no projeto] que algumas melhorias e investimentos estão condicionados à municipalização. Então, se não tiver o programa não vai haver investimento nas escolas?”, questiona.

Para a deputada estadual Beatriz Cerqueira, o projeto representa uma transferência de responsabilidades. “Eu busquei informações em relação ao que foi apresentado sobre o projeto e é com base na realidade que eu me manifesto contra. Primeiramente, pois a legislação estadual não havia sido apresentada para diversos prefeitos que assinaram a adesão, desconsiderando as Câmaras Municipais e a população dos municípios aderentes à iniciativa. Os diretores de escola não foram informados do projeto pelo gestor e a comunidade não ficou sabendo”, aponta.

Audiência pública debateu o projeto Mãos Dadas e demonstrou como a população ouro-pretana é contrária à municipalização das escolas - Print do YouTube da CMOP

Reuniões e debates sobre a proposta

Foram realizadas duas reuniões com a Prefeitura, nos dias 14 e 22 de abril, para apresentação do escopo do projeto. A Prefeitura anunciou que iria abrir o diálogo para ouvir os setores envolvidos, como sindicatos, as escolas e a comunidade. O Conselho Municipal de Educação de Ouro Preto também promoveu uma reunião extraordinária em 28 de abril para discutir o tema, em que os conselheiros demonstraram uma forte preocupação com a possibilidade dessa municipalização. 

Depois de manifestações de diversas entidades que atuam no município, o vereador Matheus Pacheco propôs a audiência pública. A reunião on-line foi presidida pelo vereador Vantuir Silva e contou com a participação de vários parlamentares e representantes de setores ligados à educação, além de ter sido acompanhada pelo YouTube por uma média de 75 pessoas.

Dom Velloso

O diretor da Escola Estadual Dom Velloso, Rafael Lara, afirma que, para a sua instituição de ensino, a municipalização não é viável, que já é uma escola tradicional de Ouro Preto, com 92 anos de existência, completados no mês de abril. Além disso, para ele, se houvesse a municipalização do 1º ao 5º anos, haveria prejuízos aos estudantes, que poderiam “perder o zoneamento da escola”, sendo realocados para outras instituições, provavelmente distantes de suas casas. 

Outro ponto destacado por Rafael Lara é a qualidade do ensino e do plano pedagógico da Escola Dom Velloso, considerando especialmente os resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Na última avaliação, segundo ele, a entidade obteve nota 7,5 nos anos iniciais, superior à média projetada pela Secretaria de Estado de Educação para Minas Gerais.  “Para os nossos estudantes, a principal perda vai ser na qualidade do nível de ensino. Hoje, a rede estadual em Minas Gerais ocupa um patamar de excelência, comparando a outros estados do Brasil. No ano passado, Minas Gerais ocupou o terceiro lugar no ranking no ensino remoto. Isso quer dizer que estamos num caminho certo. Não é o ideal ainda, porque todos nós almejamos uma educação pública de qualidade, mas já é um grande avanço comparando com outros locais”, explica o diretor. 

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Distritos ouro-pretanos

Ouro Preto é um município muito extenso, com 12 distritos e realidades e características muito distintas. Além das três escolas da sede, três instituições de distritos também poderiam ser municipalizadas: José Leandro (em Santa Rita), Nossa Senhora Auxiliadora (em Cachoeira do Campo) e Daura de Carvalho Neto (em Antônio Pereira). As disparidades entre os locais são levantadas por diversos representantes de sindicatos e das escolas estaduais, considerando especialmente o acesso à internet para professores, técnicos e estudantes, bem como o futuro do ensino para esses alunos da educação básica.

Apesar de não ter participado da audiência pública, o vereador Vander Leitoa, que é do distrito de Antônio Pereira, também se manifestou contrário ao projeto: “Sou totalmente contra, porque é uma coisa que não ouviu ninguém, não conversou com os professores e os profissionais, pessoas que estão ali no dia a dia. O Estado está querendo fugir da sua responsabilidade”.

Região dos Inconfidentes

Em Ouro Preto, o projeto “Mãos Dadas” incluiria seis escolas estaduais e 1.426 alunos. Para Itabirito, a iniciativa pode impactar três instituições de ensino: Escolas Estaduais Professor Tibúrcio, Doutor Raul Soares e Henrique Michel , com o total de 634 estudantes. O município ainda não se manifestou sobre se vai aderir ou não à proposta. Já em Mariana, como a situação da prefeitura é de interinidade, a oferta do programa só será feita após a resolução da situação do executivo municipal.

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