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Hoje é segunda-feira, 20 de maio de 2024

Prejuízos dados por Jorge Egito a investidores chegam a R$20 milhões, diz delegado

Foragido, trader é procurado pela Polícia Federal. Interpol também foi acionada

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A suspeita é que Jorge Egito criou um engenhoso método de pirâmide, conhecido como Esquema Ponzi - Arte: Lui Pereira/Agência Primaz
Desde o último dia 20, Jorge Egito é considerado foragido pela Justiça. O trader teve sua prisão preventiva decretada, mas tem paradeiro incerto, havendo a suspeita de que esteja no exterior. O inquérito que originou seu pedido de prisão ainda não foi concluído, mas mostra, em detalhes, a forma como Jorge atraía seus clientes e como se dava a prestação de contas dos supostos investimentos.A Agência Primaz teve acesso a uma parte do inquérito policial, já com 300 páginas, que reúne e investiga dezenas de acusações contra Jorge Egito. O inquérito ainda está a cargo de Cristiano Castelucci Arantes, titular da Delegacia de Polícia Civil de Mariana. Dezenas de investidores teriam confiado em Jorge e, de acordo com Castelucci, os prejuízos somados chegam a quase R$20 milhões.

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Jorge Egito alimentou sua base de investidores de diversas maneiras: um encontro ao acaso na rua, uma conversa de Whatsapp, uma festa ou uma corrida de aplicativo eram suficientes para atrair um possível interessado em investir com ele. O boca a boca também funcionava muito bem, não raro um cliente acabava por atrair parentes e amigos para investirem com Egito e as boas recomendações faziam os investimentos serem cada vez maiores.

Os primeiros relatos das pessoas que entregaram suas economias a Jorge datam de meados de 2019. De acordo com uma das pessoas que prestaram depoimento na Delegacia de Mariana, mais de R$2 milhões teriam sido repassados ao trader para investimento, incluindo transferências bancárias, além de veículos e imóveis que Jorge prometia comprar para aplicar em ações. Em outros dois casos, até empréstimos bancários foram contraídos para repassar a Jorge Egito, assim como economias familiares destinadas a tratamento de fertilidade. No caso dos imóveis, Jorge chegou a assinar contratos de compra e venda, registrados em cartório, com compromisso de pagamento e até emissão de notas promissórias nunca pagas.

De acordo com o relato das vítimas, com comprovação documental no inquérito, Jorge chegou a assinar e registrar contratos de mútuo, em valores bastante superiores às quantias investidas, reconhecendo dívidas absurdamente maiores, de modo a justificar os supostos lucros obtidos nas aplicações feitas por ele. O contrato estabelecia a promessa de devolução do valor aplicado, em até 48h após o pedido de resgate, acrescido dos ganhos financeiros e deduzido da taxa de corretagem de 5%. Além disso, o capital investido deveria ser corrigido pelo fator de atualização monetária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), exceto quando o lucro das aplicações superasse o valor obtido por esse indicador ou outro que viesse a substituí-lo.

Também consta no inquérito a informação que: “devido à grande quantidade de dinheiro aplicado”, a vítima “deixou seu cartão bancário com Jorge para que ele movimentasse todo o dinheiro” e que, mais tarde, o cartão foi bloqueado porque ele estaria sendo usado “para fazer compras particulares”. Em movimento contrário, foi anexado ao processo uma procuração, datada de 29 de novembro de 2019 e registrada no 1º Tabelionato de Notas de Mariana, na qual Jorge Moreira do Egito (outorgante) concede à vítima (outorgada) “amplos poderes para atuar, em seu nome, em caso de sua ausência por sinistro, incapacidade de responder, podendo transferir quantias de até R$4.000.000 (Quatro milhões de reais) perante todos os bancos e corretoras registrados no CPF: 113.096.316-03, podendo solicitar e assinar termos, ofícios, compromissos e requerimentos, concordar e discordar de declarações, pagamentos, cálculos, bem como solicitar e ter acesso a documentos de qualquer natureza, inclusive formular as reclamações que se fizerem necessárias. Desse modo, todas as planilhas devidamente assinadas servem como comprovação dos rendimentos”.

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Em um dos casos, Jorge encontrou um ex-colega de escola que há tempos não via, quando o colega descobriu que o velho amigo investia na bolsa, entregou quase R$100 mil para que ele cuidasse de seus investimentos. Porém, ao solicitar o saque do dinheiro investido, em dezembro de 2020, descobriu que Jorge estaria em viagem na Colômbia. Depois de alguns dias, recebeu a notícia que o trader havia perdido cerca de 70% de todos os valores sob sua tutela e resolveu aplicar o restante em Bitcoins para evitar o eventual bloqueio dos valores. Em um segundo momento, Jorge confessou ao amigo que estaria em Portugal, inclusive teria realizado uma transferência através do banco português, Millennium BCP.

Em outra situação, um casal teria conhecido Jorge através de um amigo em comum e as promessas de muito lucro e liquidez dos investimentos fizeram com que aplicassem quase R$800 mil entre fevereiro de 2020 e janeiro deste ano. Egito teria convencido o casal a investir com ele em uma reunião. Na ocasião, apresentou-se como agente financeiro e mostrou planilhas para convencê-los da segurança do investimento. No início do mês, Jorge teria prometido pagar 150 mil euros ao casal, valor equivalente a quase R$1 milhão. Para isso, eles deveriam pagar uma taxa de intercâmbio no valor de R$59 mil. No entanto, ao simular o pagamento do boleto, descobriram que o próprio Jorge era o beneficiário.

Uma das vítimas, procurou o suposto agente financeiro através do Whatsapp por recomendação de um colega de trabalho. Como de praxe, após assinar um contrato de prestação de serviços financeiros com Jorge, mais de R$250 mil foram aplicados entre fevereiro e dezembro de 2020. Entretanto, do total do investimento, pouco menos da metade era de recursos da titular do contrato, pai, mãe e irmã também foram convencidos a aplicar como sócios com o agente financeiro.

Outro caso de família também é relatado no inquérito e, mesmo sem a obrigação de atrair mais investidores, três irmãos teriam investido conjuntamente cerca de R$170 mil com Jorge. Um dos irmãos teve conhecimento de Egito através de colegas de trabalho e, assim que começou a investir, rapidamente convenceu os irmãos a fazerem o mesmo.

A suspeita é que a fraude siga o engenhoso esquema Ponzi. Ao contrário dos esquemas clássicos de pirâmide, a pirâmide de Egito era muito mais sofisticada. Com a promessa de altos lucros, quem estava dentro do esquema voluntariamente acabava por trazer parentes e amigos para lucrarem juntos, porém, o montante que eventualmente era pago aos clientes a título de lucro, provinha dos novos investidores. Quando vários acionistas solicitaram ao mesmo tempo o saque do que tinham direito, a pirâmide ruiu.

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Promessa de lucros

Anexada ao inquérito, encontra-se uma planilha que, supostamente, era utilizada por Jorge para demonstrar os lucros obtidos e, com isso, convencer as pessoas a manterem o investimento inicial e, até mesmo, disponibilizarem mais recursos. Nessa planilha, supostamente referente ao mês de julho de 2020, o valor acumulado é informado como um total de R$ 2.394.000,00, mas também com a indicação de R$ 2.494.000,00 (grafados como R$ 2.394.000.000,00 e 2.494.000.000,00), acompanhado de informações sobre lotes de ações adquiridos em 30/09/2019, com seus valores de compra e cotação “de hoje” (sem indicação de data). Os lucros indicados variavam de 7,23% a 232,23% em, presumivelmente, apenas 10 meses. Embora os valores dos lucros também estejam indicados em reais, a coluna relativa ao lucro no período sempre engloba o capital investido. Em outras palavras, se uma ação tivesse subido 83,59%, a indicação era de 183,59%. como pode ser visto na reprodução de parte da planilha anexada ao inquérito. Nessa planilha também é informado que trata-se de uma versão beta (de testes), recomendando o encaminhamento de erros encontrados para um endereço de e-mail supostamente de Jorge Egito.

No inquérito não há qualquer menção à fonte dessa planilha mas, de acordo com o depoimento de Anderson Ferreira Guimarães, cuja queixa deu origem ao inquérito, a vítima acompanhava os investimentos por meio de um aplicativo, chamado Real Valor, conseguindo “visualizar, ativos de suas ações, bem como suas oscilações”, acrescentando que, “somente em uma ocasião, e acreditando que Jorge agiu com a intenção de dar credibilidade as transações, ele [Jorge] devolveu a quantia de duzentos e trinta mil reais, valor este que, logo em seguida, foi investido novamente pelo declarante com Jorge”.

De acordo com os dados obtidos no inquérito policial, além desse resgate mencionado por Anderson Ferreira, uma das vítimas relata ter recebido quantias mensais de Jorge, para cobrir as parcelas dos empréstimos contraídos. Pelas informações já veiculadas, também o ex-prefeito Duarte Júnior conseguiu reaver parte do montante aplicado. No entanto, a informação dos valores envolvidos não está no depoimento prestado no dia 11 de março de 2021, somente tendo sido mencionados em novo depoimento, prestado no dia 8 de abril, quando afirma ter aplicado R$640 mil, posteriormente revelando ter conseguido resgatar R$580 mil.

A Agência Primaz fez contato com a empresa Real Valor, startup responsável pelo aplicativo, questionando essa informação e pedindo esclarecimentos sobre a possibilidade de utilização da ferramenta para falsificação de valores ou simulação de operações não efetivamente realizadas na Bolsa de Valores. Em resposta encaminhada à nossa redação, a empresa informou, na íntegra:

“O Real Valor oferece um programa de gestão de carteira que ajuda o usuário a acompanhar a performance dos seus investimentos e a identificar em quais plataformas os seus ativos estão distribuídos.
Esse serviço é feito com base nas informações fornecidas por cada usuário, que pode inserir na plataforma as suas informações manualmente ou a partir dos dados fornecidos pela custodiante desses ativos. Além disso, cabe apenas ao usuário inserir ou editar seus dados da plataforma aberta.
A tabela do Real Valor serve apenas para o monitoramento desses resultados, sendo impossível realizar qualquer movimentação financeira por meio do serviço. Os dados reunidos têm como finalidade apenas simular o patrimônio do usuário a partir das estimativas do mercado”.

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Andamento do inquérito

Instaurado no dia 10 de março pelo Delegado de Polícia Civil de Mariana, poucos dias após o depoimento de Anderson Ferreira Guimarães, o inquérito policial segue em andamento na cidade, mas pode ser transferido para a regional de Ouro Preto ou para uma delegacia especializada em Belo Horizonte. 

De acordo com Cristiano Castelucci Arantes, atual responsável pelo caso, “[o inquérito] vai ser transferido realmente para Ouro Preto, de Ouro Preto o meu regional não sabe se vai ficar com ele lá ou se vai mandar pra uma delegacia especializada”. Ele explica que são várias justificativas para essa mudança de local de investigação. Entre elas, a necessidade de pessoal especializado para analisar as informações relacionadas à quebra de sigilo bancário de Jorge Egito, a descoberta de vítimas de outras cidades e até mesmo o montante estimado do prejuízo causado, que “já está próximo dos R$20 milhões”, segundo Castelucci.

O pedido de prisão preventiva foi deferido pela Juíza Cirlaine Maria Guimarães no dia 20 de abril, juntamente com o mandado de busca e apreensão na sede da empresa de Jorge Egito, que é o mesmo endereço de seus pais. “Em relação ao cumprimento do pedido de prisão, foi encaminhado para a Polícia Federal e para a sede da Interpol no Brasil, tendo em vista que há notícias de que ele está fora [do país]”, informa o delegado, acrescentando que “foi feito um ofício junto à Polícia Federal para poder fazer o monitoramento do passaporte dele”. Em relação ao mandado de busca, Cristiano Arantes informou que foi cumprido somente pela equipe de Ouro Preto. “Devido à pandemia, estou com uma escala de revezamento aqui na delegacia e também foi na véspera de feriado, tinha vazado, a gente não podia deixar juntar o pessoal. Aí eu pedi pro pessoal de Ouro Preto descer e cumprir esse mandado de busca”.

Nossa reportagem apurou que somente foram apreendidos documentos e alguns extratos bancários, não sendo encontrados computadores ou qualquer outro produto eletroeletrônico, cheques ou dinheiro, bem como anotações que pudessem auxiliar o trabalho de investigação. “Parecia até que eles estavam esperando que nós chegássemos lá”, finalizou o delegado.

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