Gatilhos teóricos do fazer jornalismo

“As narrativas criam o ontem, fazem o hoje acontecer e justificam a espera do amanhã” (MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise Crítica da Narrativa. Brasília. Editora UNB, 2013.)

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “editoriais”

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Eu nunca quis ser jornalista. Não apresentei o Jornal do Quintal na infância e, no meu saudoso Tipiti, levava o apelido de “repórter” o mais fofoqueiro da rua. Aliás, fazendo ligeira anamnese sobre os meus sonhos de criança, demorei para me lembrar que respostas eu dava para a pergunta: “o que você quer ser quando crescer?”

 

Gostava demais de futebol, mas faltava bola para seguir carreira. Também gostava de cantar, mas faltava voz, ritmo e incentivo. Gostava de política, mas ainda não era permitido se candidatar com 3 anos de vida, por mais que eu já fosse um mini adulto nessa idade. Aprendi cedo a dançar forró, mas isso lá é profissão? (no Tipiti dos anos 1990 não era mesmo). O meu pai queria que eu fosse médico e eu demorei a entender que essa era a vontade dele.

 

Enfim, não me lembro de quase nenhuma profissão que eu sempre quis ser. Lembro mais de coisas que eu gostava de fazer, assistir e conversar. Muito tempo depois, aprendi que essas coisas podiam ser enquadradas em palavras tais quais “esporte”, “cultura” ou “política”. Ou seja, por mais que eu não servisse para ser protagonista das ações, ainda tinha muito apreço por entrar (e permanecer) em qualquer rodinha que estivesse discutindo esses assuntos.

 

Também sempre gostei muito de histórias. Fosse na sala de aula, fosse ouvindo o Vô Onofre contar como era bom o tempo do Getúlio e do Jorcilino (Juscelino Kubistchek). Hoje, pouco me importa se o Getúlio Vargas tinha aquele carinho especial pelos nazistas ou se JK endividou até a minha geração com o tal projeto Brasília. Mas, que saudade de ouvir o Vô Onofre. Seus sotaques, suas entonações, seus suspiros saudosos.

 

Seduzido pelos atos de contar e menos de 1 ano depois de me despedir do vovô, estava eu aos 17 fazendo a minha inscrição para o vestibular da UFOP. A vontade de sair de casa era muito maior do que a de fazer o então curso de “Comunicação Social com ênfase em Jornalismo”. Mal sabia que, ali, o mundo da Comunicação me fisgaria de vez. Qualquer dia eu dou uns spoilers aqui sobre a minha graduação.

 

 “Quando eu crescer eu quero ser cientista!” Há pouco eu disse que quase não me lembrava de profissões que eu sonhava em exercer. Pois é, outro dia eu me lembrei que eu já sonhei em ser cientista. Desses clássicos, que misturam substâncias, pesquisam pra caramba e não penteiam o cabelo. Numa narrativa muito singular, quando eu realizei aquele sonho, iniciei o percurso que me traria até esta coluna.

 

Ao mergulhar nas análises narrativas do jornal O Arquidiocesano à época do golpe de Estado de 1964, dois fascínios desvelaram-se para mim: – um mar de morros, histórias, documentos, sujeitos e personagens de Mariana a serem descobertos, contextualizados, confrontados, ressignificados por gente como eu, que mistura e analisa palavras; – o outro fascínio, na real, é um comichão cada vez mais forte, feito quentão em 13 de junho, que sussurra (ou grita) indícios de que o meu próprio texto é capaz de começar prosas maravilhosas.

 

Mais que isso, hoje escrever é questão de sobrevivência para mim. Pela cabeça e pelo bolso (como se tivesse diferença). Poucas coisas me fazem me sentir mais útil do que entrevistar pessoas e escrever reportagens. Eu ainda não tenho muito tempo de redação, mas já acumulo boas histórias para compartilhar com os meus alunos em sala de aula.

 

Fazer jornalismo precisa andar junto de pensar jornalismo. E é disso que eu quero falar aqui nesse espaço. De lampejos, ou melhor, de gatilhos teóricos que são acionados no cotidiano de quem faz do jornalismo, missão. Por hoje, invoco a didática de grandes professores que tive e concentro o diálogo inicial nessas breves apresentações.

 

Como sugerido na citação do início deste texto, até agora desenhei uma narrativa com fragmentos meus de ontens e hojes. Sobre amanhã, não sei que futuro esperar. Mas só de conseguir esperar algum, no meu caso, já está de bom tamanho.

(*) Marcelo Sena é jornalista e pesquisador do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFOP

Rua Dom Viçoso, 232 – Centro – Mariana/MG