Luiz Loureiro/Agência Primaz

A Secretaria de Saúde da Prefeitura de Mariana vai publicar, ainda esta semana, um chamamento para cadastramento de portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA). A medida foi anunciada pelo secretário Danilo Brito durante reunião da Comissão Permanente de Educação, Saúde, Assistência Social, Esporte, Lazer e Turismo, realizada na Câmara Municipal nesta segunda-feira (07), como passo inicial para a elaboração de uma política municipal de assistência aos portadores de autismo.
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A reunião foi realizada por determinação do vereador Geraldo Sales, presidente da comissão, em continuidade à discussão iniciada na reunião ordinária da Câmara Municipal, realizada no dia 30 de setembro, quando a Tribuna Livre foi ocupada por mães de crianças portadoras do TEA, atendendo a convite feito por seis vereadores (Requerimento nº 112/2019). Na ocasião as mães relataram as dificuldades que enfrentam no dia a dia e suas demandas para o estabelecimento de uma política pública voltada para a assistência os portadores do TEA.
O tema já vem sendo debatido na Câmara com o objetivo de promover a inclusão e promoção das pessoas com síndromes e deficiências. Nesse sentido, já tramitava o projeto de lei nº 53/2018, de autoria do vereador Antônio Marcos Ramos de Freitas (PHS), que propunha “garantir atendimento prioritário para as pessoas portadoras do TEA, bem como incluir o símbolo mundial do autismo nas placas de atendimento prioritário no âmbito municipal”. Também havia sido protocolado pelo vereador Cristiano Vilas Boas (PT) um projeto que visava o fornecimento de carteirinhas de identificação aos portadores de autismo. Esta última proposição havia recebido parecer contrário do setor jurídico da Câmara por “vício de iniciativa” (os vereadores não podem, por imposições legais, aprovar leis que gerem despesas).
Além disso, havia o temor que a identificação pudesse ser um fator de exclusão. “A preocupação é não criar constrangimento, não criar um estigma, não rotular as pessoas”, declarou o Procurador Jurídico, Dr. Cor Jesu Quirino, à reportagem da Agência Primaz, ressaltando que o melhor seria que o projeto tivesse origem no Executivo Municipal, uma vez que haveria custos para a implantação da medida. Caroline Pessoa Sena, integrante do grupo de mães de autistas, contesta a possibilidade de exclusão. “Não é uma forma de exclusão. Exclusão é você estar em uma fila preferencial com seu filho, e as pessoas olharem torto”, afirmou Caroline, acrescentando que “o autismo não tem cara”. Falando sobre a ausência de uma política específica, ela considera que “exclusão é você não conseguir o tratamento adequado na rede pública, porque a Secretaria de Saúde não tem noção de quantos autistas existem em Mariana”.

E foi esse o primeiro passo anunciado pelo secretário, como forma de subsidiar os estudos para a elaboração de um plano de ações direcionadas aos autistas. “É preciso capacitar os nossos profissionais, ter um diagnóstico do número de autistas, para que a gente possa fazer um planejamento e buscar diretrizes e protocolos pra fazer os atendimentos”, afirmou Danilo Brito, considerando que essa última reunião deixou um saldo positivo de encaminhamentos. A partir do cadastramento, Danilo entende que é necessário fazer uma parceria com a Secretaria de Educação e promover uma audiência pública. “O que [também] me preocupa são as pessoas que [ainda] não tem o diagnóstico, temos que fazer um projeto de curto, médio e longo prazo”, finalizou o secretário.
“A gente [mães] só conheceu o autismo
depois do diagnóstico de nossos filhos. E a gente
está aqui hoje para isso. Para que as pessoas entendam,
respeitem os autistas, respeitem os direitos dos autistas,
e os inclua na sociedade, na saúde, na educação,
em todos os setores” (Caroline Sena)

Com o lema “Nada sobre nós, sem nós”, as mães de crianças portadoras de autismo em Mariana deixam claro que é fundamental a sua participação na elaboração de políticas assistenciais, bem como entendem que o estigma ou exclusão são decorrentes da falta de conhecimento do tema. Por esse motivo, compareceram à reunião trajando camisetas que colocavam como palavras de ordem o entendimento, o respeito e a inclusão como etapas do processo. “A gente [mães] só conheceu o autismo depois do diagnóstico de nossos filhos. E a gente está aqui hoje para isso. Para que as pessoas entendam, respeitem os autistas, respeitem os direitos dos autistas, e os inclua na sociedade, na saúde, na educação, em todos os setores”, declarou Caroline Sena.
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Transtorno do Especto Autista (TEA)
Dificuldade de comunicação por deficiência no domínio da linguagem e no uso da imaginação para lidar com jogos simbólicos, dificuldade de socialização e padrão de comportamento restritivo e repetitivo são as características fundamentais que marcam as diferentes condições de perturbações do desenvolvimento neurológico que envolvem o TEA, podendo manifestar-se isoladamente ou em conjunto. O termo “espectro” é utilizado devido ao fato de que o transtorno envolve situações e apresentações muito diferentes umas das outras, numa gradação que vai das mais leves às mais graves. Em todos os casos essas manifestações estão relacionadas, em diferentes graus, com dificuldades de comunicação e relacionamento social.
Em artigo publicado no site UOL, o Dr. Drauzio Varella discorre sobre o assunto de forma bastante didática (clique aqui para acesso ao artigo), abordando questões relacionadas aos tipos (clássico, de alto desempenho e distúrbio global do desenvolvimento); incidência; causas;tratamento; papel da família e recomendações para lidar com o autismo. Também apresenta um infográfico (veja reprodução abaixo), com indicações de sintomas que permitem, principalmente aos pais, suspeitar da possibilidade de existência do TEA, até mesmo na fase de amamentação.
Políticas Públicas
Especialistas têm debatido, nos últimos anos a questão do diagnóstico e atenção aos portadores do Transtorno do Espectro Autista. Embora tenham sido obtidos progressos, a doença ainda é, sim, motivo de preconceito na sociedade. Para garantir a eficiência das políticas de assistência, é necessário que o diagnóstico seja feito o mais precocemente possível, o que pode ocorrer através de sinais demonstrados pela criança já aos três anos de idade, de maneira geral, tendo sido registrados casos de reconhecimento do TEA ainda mais cedo.
Uma outra questão, porém, também reconhecida e analisada por especialistas, é o cenário de disputas em torno das políticas públicas brasileiras para o TEA, que muitas vezes é reduzido exclusivamente às discordâncias teóricas e clínicas entre as partes envolvidas, em relação a diferentes modelos de terapêuticas e concepções em torno do autismo. Além disso, a já mencionada questão do desconhecimento detalhado do número de portadores tem sido alvo de discussões e embates até mesmo políticos.

Em 2016, por iniciativa da deputada Carmen Zanotto (Cidadania/SC), começou a tramitar na Câmara dos Deputados um projeto de lei que propunha alteração da Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, para incluir especificidades inerentes ao autismo nos censos demográficos. O projeto foi aprovado em 2018 e seguiu para análise e deliberação do Senado Federal. Somente em julho deste ano, mesmo assim depois de uma manifestação do Movimento Orgulho Autista no Brasil (Moab), o projeto foi finalmente votado e aprovado pelos senadores. Entretanto, mesmo com a sanção presidencial, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), alegando falta de tempo, não incluiu no censo experimental perguntas sobre a deficiência no questionário de 2020. O censo experimental, realizado entre setembro e novembro deste ano no município de Poços de Caldas (MG), tem o objetivo de aperfeiçoar a logística da operação do Censo 2020.
Ainda em julho, a presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra divulgou vídeo no Twiter, informando que o censo demográfico “não é a pesquisa adequada para se levantar o número de autistas no Brasil”, justificando que “essa condição merece um levantamento específico, com treinamento direcionado à aplicação desses dados” e que “o IBGE não quer que números superficiais sejam divulgados, que poderiam (sic) atrapalhar as políticas públicas para esse grupo”. Ao final Susana propõe que o levantamento seja feito através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua (PNAD Contínua) que, como o próprio nome indica, é realizada em uma amostra de domicílios, a cada três meses e por cinco trimestres consecutivos, com a finalidade principal de produzir indicadores para acompanhamento das variações e evolução da força de trabalho e outras informações para estudo e desenvolvimento socioeconômico. (Clique aqui para acesso ao vídeo do IBGE)
Em decorrência disso, o Moab requereu ao IBGE explicações sobre a ausência de perguntas sobre autismo no Censo Experimental e estuda até mesmo recorrer à justiça para que a inclusão da temática seja feita e lei seja cumprida em 2020.